A juíza Filipa Araújo, que presidiu ao coletivo e que hoje leu a súmula do acórdão no Juízo Central Criminal de Lisboa, no Campus de Justiça, apontou o elevado grau de ilicitude dos crimes praticados e justificou as penas elevadas com as necessidades de prevenção, que "são elevadíssimas", apontando que no crime de tráfico de droga não estão em causa apenas "as consequências para os consumidores".
A magistrada sublinhou que decorrem deste crime a geração de uma economia paralela, de outra criminalidade associada e "uma exploração da dependência que causa milhões de mortos no mundo".
Sobre o crime de associação criminosa, também imputado aos arguidos, disse colocar em causa o "bem jurídico da paz pública".
Rúben Oliveira, que a juíza condenou sem dúvidas de se tratar do líder da associação criminosa, referindo que as comunicações constantes na prova recolhida demonstram que dava ordens e não recebia ordens, foi o arguido a quem foi aplicada a pena mais pesada, 20 anos, em cúmulo jurídico, por tráfico agravado, associação criminosa e branqueamento.
Receberam penas também iguais ou superiores a 10 anos os arguidos Luís Firmino (10 anos); José Cabral (10 anos e quatro meses); Luís Ferreira (10 anos e seis meses); o irmão de 'Xuxas' Dércio Oliveira (13 anos); Punil Narotamo (12 anos); Ricardo Macedo (13 anos); José Afonso (15 anos, a segunda pena mais elevada neste processo).
Foram ainda condenados Vasco Soeiro (oito anos); António Freitas (três anos e seis meses de pena suspensa por igual período); e a mulher de 'Xuxas', Carla Oliveira, condenada por um crime de branqueamento em coautoria a uma pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, tendo a juíza sublinhado neste caso a ausência de antecedentes criminais.
O arguido Pedro Santos foi absolvido das acusações de tráfico agravado e associação criminosa, mas condenado por posse de arma e munição proibida a uma multa de 1.400 euros.
Dos 16 arguidos singulares, quatro foram integralmente absolvidos: Duarte Costa, Luís Gonçalves, William Cruz -- tal como havia admitido o Ministério Público nas alegações finais para este arguido -- e Gurvinder Singh, peça chave no processo, por ter colaborado com a investigação.
Gurvinder Singh é comerciante, com uma mercearia sediada nos Olivais e que foi utilizada pelos narcotraficantes para a entrada de droga no país, usando a empresa de importação de fruta do arguido para o efeito.
A empresa de Gurvinder Singh, Happy Selection foi igualmente absolvida, tendo a empresa Vascopisus, sido condenada a uma pena de dissolução e a empresa Auto Táxis, de Rúben Oliveira, sido condenada a uma pena de multa de 36.000 euros.
O tribunal condenou ainda os arguidos a uma perda de valores incongruentes no seu património, destacando-se a condenação de Rúben Oliveira à perda de mais de um milhão de euros a favor do Estado.
Rúben Oliveira, José Cabral, Dércio Oliveira, Punil Narotamo, Ricardo Macedo, José Afonso vão manter-se em prisão preventiva, por decisão do tribunal, que apontou o facto de os prazos de prisão preventiva ainda não se terem esgotado para estes arguidos.
Com a decisão de absolvição de Luís Gonçalves extinguiu-se a medida de prisão preventiva que lhe estava aplicada, mas com as condenações de hoje há três outros arguidos que se encontravam em liberdade e que passam a estar em prisão preventiva: Vasco Soeiro, Luís Ferreira e Luís Firmino.
À saída do tribunal, Vítor Parente Ribeiro, advogado de Rúben Oliveira, que tinha expectativas de absolvição, mostrou-se insatisfeito com a condenação, anunciou que vai recorrer e defendeu que "a lei não foi aplicada", insistindo que é ilegal a condenação com recurso à prova baseada nas comunicações telefónicas encriptadas remetidas por França às autoridades portuguesas, validadas como legais pelo tribunal e que a defesa argumenta nunca ter tido oportunidade de contestar.
"É uma decisão que evidentemente nos surpreende, porque é uma violação clara dos mais elementares princípios do Estado de Direito, desde logo o princípio da presunção da inocência, a possibilidade do contraditório da prova, tudo isso foi aqui flagrantemente violado. Agora vamos continuar, o processo ainda vai no adro, é a primeira decisão, este processo não vai obviamente terminar em Portugal, porque já percebemos que para que o direito e os princípios fundamentais sejam aplicados temos que recorrer a instâncias internacionais", disse.
Para o advogado, a prova com base nas comunicações telefónicas encriptadas, "é uma prova montada" e não "a prova efetiva que foi recolhida" e entende que o processo "cai por terra" se o Tribunal da Relação vier a considerar esta prova ilegal.
Segundo a acusação do Ministério Público, o grupo criminoso, liderado por Rúben Oliveira, tinha "ligações estreitas" com organizações de narcotráfico do Brasil e da Colômbia e desde meados de 2019 importava elevadas quantidades de cocaína da América do Sul.
A organização de 'Xuxas' tinha, ainda de acordo com a acusação, ramificações em diferentes estruturas logísticas em Portugal, nomeadamente junto dos portos marítimos de Setúbal e Leixões, aeroporto de Lisboa, entre outras, permitindo assim utilizar a sua influência para importar grandes quantidades de cocaína fora da fiscalização das autoridades portuárias e nacionais.
Naqueles locais, a Polícia Judiciária realizou apreensões de cocaína que envolvem arguidos que supostamente obedeciam a ordens de Rúben Oliveira.
A cocaína era introduzida em Portugal através de empresas importadoras de frutas e de outros bens alimentares e não alimentares, fazendo uso de contentores marítimos. A droga entrava também em território nacional em malas de viagem por via aérea desde o Brasil até Portugal.
Os arguidos recorriam alegadamente a "sistemas encriptados tipicamente usados pelas maiores organizações criminosas mundiais ligadas ao tráfico de estupefacientes e ao crime violento" para efetuarem comunicações entre si.
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