O primeiro-ministro, Luís Montenegro, reconheceu que foi "provocatório" nas suas mais recentes declarações sobre o uso de auriculares por jornalistas, considerando, contudo, que a reação de vários quadrantes foi "manifestamente exagerada" e "descontextualizada". Segundo Montenegro, o objetivo era defender que "a cobertura de um evento ou acontecimento deve concentrar-se mais nisso e evitar a canibalização dos temas".
Num artigo de opinião publicado pelo semanário Expresso, na quinta-feira, Luís Montenegro justificou-se sobre as várias apreciações que fez sobre a atividade jornalística, na abertura da conferência 'O Futuro dos Media', especificamente o facto de ter lamentado ver jornalistas com "um auricular no qual lhe estão a soprar a pergunta que devem fazer".
Lembrando o plano que o Governo apresentou, com medidas "tendentes a valorizar o trabalho dos órgãos 'tradicionais' num quadro novo do ponto de vista tecnológico e concorrencial, ao mesmo tempo que visa incentivar e estimular o jornalismo 'puro'", Montenegro recordou no artigo de opinião que defendeu também que o "regime precisa tanto de bons políticos como de bons jornalistas", com "informação rigorosa, isenta e que não vá apenas atrás do tema do dia ".
"Dei como exemplo a própria conferência em que participava e aproveitei para reiterar que, em meu entender, a cobertura de um evento ou acontecimento deve concentrar-se mais nisso e evitar a canibalização dos temas que se afunilam na procura incessante pela reação do chamado 'assunto do dia'", escreveu.
Para exemplificar, o primeiro-ministro referiu que "nos últimos dois anos" se confrontou com isso mesmo "inúmeras vezes", quando percorreu, "com a imprensa, os 308 municípios do país". "Não raras vezes estava a falar de temas concretos, que na minha perspetiva eram relevantes (como, por exemplo, a política florestal ou a política da água), respondendo a perguntas pertinentes dos jornalistas, e, de repente, percebia que eles eram instados a mudar de tema e a fazer as perguntas que lhes eram solicitadas sobre o tal 'assunto do dia'", referiu, frisando ainda que também pediu ao "jornalismo puro' que não fosse atrás das ondas facciosas e desreguladas das redes sociais".
"Não desconheço a utilidade dos auriculares e dos telemóveis no exercício profissional dos jornalistas e também não desconheço a utilidade e o potencial das redes sociais, quando utilizadas com rigor. Eu próprio e os membros do meu Governo utilizamos esses aparelhos na nossa intercomunicação e as redes sociais como poderosa ferramenta de comunicação direta. A questão que abordei não era essa", defendeu, acrescentando que a sua "perspetiva foi sempre de valorização do papel insubstituível do jornalismo e da sua afirmação pela qualidade e responsabilidade".
"Aceito que fui provocatório q.b., mas a reação a que assisti de vários quadrantes, além de manifestamente exagerada, foi muito descontextualizada. Sim, porque havia um contexto", rematou.
Recorde-se que Governo apresentou, na terça-feira, o Plano de Ação para a Comunicação Social, no qual prevê a eliminação gradual da publicidade comercial na RTP até 2027, a compensar com "espaços de promoção de eventos e iniciativas culturais", é a maior novidade do plano, onde se prevê igualmente a revisão do contrato de concessão do serviço público, a fim de "modernizar" e "diferenciar" a televisão do Estado dos outros canais.
Na parte final da sua intervenção, durante a apresentação, o líder do Executivo abordou a questão sobre a valorização da carreira do jornalista, mas com algumas críticas em relação ao desempenho de alguns profissionais deste setor.
"Vou fazer aqui esta pequena provocação, não é para criticar ninguém em especial. É só para verem como é que eu, do lado cá, que também é a minha obrigação, me impressionam, seja pela positiva, seja pela negativa", advertiu, na altura.
A seguir foi direto ao assunto: "Uma das coisas que mais me impressiona hoje, quero dizer-vos aqui olhos nos olhos, é estar com seis ou sete câmaras à minha frente e ter os jornalistas a fazerem-me perguntas sobre determinado acontecimento e ver que a maior parte deles tem um auricular no qual lhe estão a soprar a pergunta que devem fazer. E outros à minha frente pegam no telefone e fazem a pergunta que já estava previamente feita", declarou.
"Assim, os senhores jornalistas não estão a valorizar a sua própria profissão, porque parece que está tudo teleguiado, está tudo predeterminado", criticou.
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