Embora sem jogos e sem competições para disputar, Ivanildo Fernandes acorda todos os dias para treinar de manhã e sabe que, só dessa forma, conseguirá manter a forma física para assumir, o quanto antes, um novo desafio.
Afastado dos relvados desde a época passado, após sofrer uma grave lesão no joelho esquerdo, o central português, agora com 28 anos, viu terminada a sua breve passagem pelo Al Ittihad Kalba, emblema dos Emirados Árabes Unidos, mas o objetivo passa por regressar ao ativo e, de preferência, em Portugal.
Foi precisamente isso que Ivanildo confessou, numa entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, numa das tardes que se seguiram ao habitual treino matinal, conversa que também abriu espaço para recordar os tempos da formação no Sporting, as "duras" de Jorge Jesus, o desencontro com Ruben Amorim e a decisão de deixar Portugal para procurar a sorte no estrangeiro.
O Sporting foi uma experiência muito importante para mim e lançou a minha carreira
Ivanildo, apesar das passagens pelos escalões jovens de Damaiense, Estrela da Amadora e Casa Pia, foi no Sporting que passou o mais longo período da sua formação e onde se deu a mostrar ao futebol nacional e europeu. Como recorda esse tempo em Alvalade?
A minha passagem pelo Sporting foi duradoura, acredito que foi onde me desenvolvi mais como atleta. Também fiz muitas boas amizades no Sporting, mas, infelizmente, não consegui fazer a minha estreia pela equipa principal. Ficou esse sentimento de... não digo tristeza, mas por realizar. Foi um dos motivos pelos quais não me consegui sentir realizado no Sporting. Tinha vindo de clubes de Lisboa, mas inferiores ao Sporting, então, tinha muito para aprender, e, no Sporting, aprendi. Desenvolvi-me muito, fisicamente, a nível tático... Foi uma experiência muito importante para mim e lançou a minha carreira.
No último ano no Sporting, teve a oportunidade de, mesmo estando na equipa B, realizar alguns treinos pelo plantel principal, altura em que se cruzou com Jorge Jesus. Como foi a vossa relação?
Tivemos sempre uma relação muito boa. Gostei muito de treinar com o mister Jorge Jesus, porque ele era um treinador exigente e perfecionista com os defesas. Foi nos treinos defensivos com o mister Jesus que eu mais cresci, porque como ele era rigoroso. Acredito que foi aí que dei um salto a nível tático, até porque ele nos obrigava a estarmos sempre concentrados e focados na nossa tarefa defensiva. Ele dizia: 'Se a minha equipa não sofre golos, então, não perde jogos'. Deu-me uma grande ajuda no posicionamento em campo e na leitura do jogo.
O que lhe foi dito aquando dessa oportunidade de treinar com a equipa principal? Existiu alguma promessa?
Na verdade, não houve muita conversa. O que ele nos dizia a nós, jovens da equipa B que subiam para a equipa principal, era que fôssemos treinar e que déssemos o nosso melhor, o nosso máximo, que estivéssemos empenhados no que estávamos a fazer e que não fôssemos para lá fazer só mais treino para depois irmos para casa.
Há algum episódio em particular de que se recorda quando pensa em Jorge Jesus?
Eu tenho uma história engraçada com ele [risos]. Num dos treinos que fiz com a equipa principal, errei, por algum motivo, no posicionamento. Não estava coordenado com a linha defensiva, talvez por estar distraído, e o mister disse-me: 'Achas que isto é a equipa B, em que jogas a 10 à hora e és o craque da equipa?' [gargalhada]. Ao mínimo detalhe, ele parava o treino e dava essas duras, como se sabe.
Como compara o Sporting da atualidade, que é campeão nacional em título e líder do campeonato, com o que encontrou, entre 2014 e 2021?
Na altura, quando eu estava no Sporting, passámos por uma fase muito difícil, como toda a gente sabe. Era um Sporting que não ganhava, um Sporting que estava há vários anos sem conquistar títulos... Houve uma remodelação na estrutura do clube para melhor e viram-se melhorias. Daí, começaram a conquistar títulos e começaram a vencer mais vezes. No meu tempo, o clube estava a passar uma fase difícil e, com a remodelação que houve na estrutura, foi possível fazer uma melhor campanha, como é o caso agora.
Acabou por não treinar com Ruben Amorim, embora ele já treinasse o Sporting na sua fase final no clube. Acredita que, caso os dois se tivessem cruzado, poderia ter ficado mais tempo em Alvalade?
Eu fui emprestado, e, quando voltei ao Sporting, não tive nenhum contato com o treinador Ruben Amorim, não cheguei a treinar com ele. Quando voltei de empréstimo, não tive nenhum contato com ele, comecei a treinar com a equipa B e, então, não tive a oportunidade de me mostrar. Acredito que, se tivesse tido essa oportunidade, talvez a minha carreira pudesse ter tido outro rumo.
Alguma vez sentiu frustração pelos sucessivos empréstimos nas últimas três épocas no Sporting?
Da minha parte, não houve frustração nenhuma, simplesmente aceitei. Se era um objetivo que eu tinha o de jogar na equipa principal? Claro que era. Como qualquer jovem que vem da formação, um dos meus principais objetivos era poder estrear-me na equipa principal, mas não vejo isso como uma frustração. Vejo que foi um objetivo que não foi alcançado, tenho uma forma muito positiva de ver a vida.
Num desses empréstimos, na época 2019/2020, cruzou-se com João Pereira, no Trabzonspor. Na altura já encontrava indícios de que o João poderia ser, no futuro, treinador?
Na verdade, sim, tanto que o nosso diretor do clube dizia que ele percebia muito bem o jogo e que tinha muito potencial para ser treinador. Ele sempre foi um jogador que soube ler muito bem o jogo e posicionava-se muito bem em campo. Não sei se ele já pensava nisso, na altura, mas acreditava-se que ele poderia ser treinador.
Ivanildo Fernandes, à esquerda, disputa a bola com o compatriota Nélson Oliveira, que atuava no Konyaspor© Getty Images
Como foi partilhar o balneário com ele, até porque vocês eram os únicos dois portugueses desse plantel?
O João Pereira é uma pessoa muito competitiva. Eu, por acaso, tive uma relação muito próxima com ele, porque éramos realmente os únicos portugueses a jogar no Trabzonspor. Era uma pessoa muito competitiva, trabalhadora, que puxava muito por mim, como eu era mais novo, para ir para o ginásio trabalhar e dar o máximo nos treinos. Penso que ele vai ter muito sucesso como treinador, porque, como jogador, também teve. Se ele mantiver as mesmas características e conseguir transportá-las para a função de treinador, então, vai ter sucesso, certamente.
Na sua opinião, qual será a maior vantagem do João Pereira neste desafio?
Eu acredito que ele vá ter uma boa relação com os jogadores, porque tem essa facilidade. Eu trabalhei com ele e sei que tem facilidade de se envolver com os jogadores. Como era jogador ainda há pouco tempo, também acredito que ele tenha na memória os momentos que atravessou e que irá transportá-los para os atletas. O plantel do Sporting é muito jovem e acredito que ele vai estabelecer uma boa relação com os jogadores.
Depois dos empréstimos pelo Sporting, o Ivanildo assinou pelo Vizela, onde jogou duas épocas. Como foi voltar a Portugal nessa altura?
Foi uma experiência muito boa, já tinha saudades de casa, porque tinha estado longe, e, apesar de ser um clube do Norte, consegui ter mais contato com os meus familiares. Foi uma experiência positiva, foi um dos sítios onde mais me senti em casa. Consegui jogar na primeira divisão, tive épocas melhores e outras piores, mas foi bom regressar a Portugal.
Em duas épocas completas e no arranque de uma terceira, Ivanildo realizou, ao todo, 44 partidas pelo Vizela© Getty Images
Ainda assim, apesar de confessar que se sentia feliz, optou por aceitar uma transferência para o Al Ittihad Kalba, dos Emirados Árabes Unidos, que provou não ser bem sucedida...
Ninguém está à espera de ter uma lesão grave, e foi o que aconteceu comigo, nessa última época. Mudei-me para os Emirados Árabes Unidos com um objetivo, e, infelizmente, não correu bem, porque tive uma lesão nos ligamentos do joelho. Não era algo que eu estava à espera, mas, infelizmente, aconteceu. Agora, foquei-me na recuperação. Graças a Deus, sinto-me bem, sinto-me preparado e continuo a batalhar aqui, todos os dias, na recuperação, que já está a 100%, para manter a melhor forma física.
O que o levou a aceitar essa proposta, na altura?
Há propostas que nos aparecem à frente e que são difíceis de recusar. A minha mudança para lá foi motivada por questões monetárias, sem dúvida. Os países árabes estão a investir cada vez mais em jogadores da Europa e apresentam propostas muito difíceis de recusar, a não ser que haja um motivo muito forte para ficar. Em cima da mesa estava um valor que eu dificilmente iria encontrar, aqui, na Europa.
Olhando para trás, arrepende-se?
Não, eu acredito que a vida é feita de escolhas. Neste caso, correu mal, mas eu aprendi, não digo com o erro, mas com a minha decisão. Podia ter corrido tudo pelo melhor, e, hoje, estaria muito bem, quer a nível desportivo, quer a nível financeiro, portanto, não acredito que tenha sido uma má escolha, simplesmente, as coisas correram mal.
Em que ponto está agora a recuperação do joelho?
Estou muito bem a nível físico. Já não sinto nada no joelho, não tenho dores. Tenho feito exames recorrentemente, ainda há pouco tempo fiz, e já não há diferença nenhuma de uma perna para outra. Continuo a ter treino de campo todos os dias, individual e em grupo, tenho feito os meus trabalhos de ginásio para que, quando for chamado por algum clube, esteja preparado.
Entende que esse desafio poderá surgir já em janeiro?
Acredito que sim. Sou uma pessoa muito positiva e espero que, num futuro próxima, surja um clube. Quando surgir, estarei preparado, e é isso que tento assegurar com estes treinos diários, às vezes bidiários, até com sessões de ginásio pelo meio.
Sem o planeamento imposto por um clube, o que o motiva a cumprir à regra os treinos diários e a manter-se em forma?
Eu sempre fui um atleta profissional e sempre gostei de trabalhar. A maior parte das pessoas que me conhece sabe que eu sempre fui um atleta trabalhador, não tenho muita dificuldade em acordar todos os dias cedo. Todos os dias acordo com o plano do que tenho para fazer na cabeça, sei que tenho de treinar cedo, que tenho de trabalhar duas vezes mais do que os meus colegas que já têm clube, porque quando chegar a oportunidade eu sei que não vou desiludir, sei que vou estar preparado para o desafio que me vão propor.
Preferia que esse novo convite surgisse em Portugal ou no estrangeiro?
Eu sou feliz, aqui, em Portugal. Acredito que um desafio, aqui, em Portugal, seria o ideal, neste momento, tanto a nível profissional como a nível pessoal. Sou muito ligado à minha família, e, se estiver próximo deles, mais força e motivação terei. O apoio seria fundamental para mim, neste momento.
Já existem algumas conversações?
Estou a aguardar. Ainda não tive contactos e, quando surgirem, irei analisar e ver o que será melhor para mim, neste momento, para tomar uma decisão.
Embora ainda tenha apenas 28 anos, já vai pensando no que vai fazer depois de penduradas as chuteiras?
Isso ainda não me passa pela cabeça. Ainda tenho 28 anos e talvez quando atingir a casa dos 30, 32 anos começarei a pensar nisso.
Quais são, neste momento, as suas referências como defesa-central, a posição que ocupa no campo?
Na minha posição, o jogador que mais admiro, neste momento, é o Rúben Dias. Eu conheço-o, estive com ele na seleção, e tornou-se uma referência para mim, é um dos melhores na sua posição, a nível mundial.
E no campeonato nacional, tem alguma?
Com a saída do Sebastián Coates, não tenho uma referência por cá. Para mim, ele era o patrão, aqui, em Portugal. Ele e o Pepe.
Curiosamente, também chegou a trabalhar com o Coates no Sporting...
Sim, é verdade. Ele era um líder e ajudava-me muito nos treinos, foi por isso que comecei a segui-lo de perto. Ele sabia falar connosco de forma a que nós fôssemos para o treino focados.
Qual será o sabor do regresso aos relvados?
Mal posso esperar. Tenho bastante fome, essa é a palavra. Já sinto saudades de jogar, de treinar com um plantel completo, sou competitivo e sinto falta disso. Treinar à parte não chega perto do que é treinar num clube.
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